segunda-feira, 16 de abril de 2012

Um gosto de sol

"Alguém que vi de passagem numa cidade estrangeira
lembrou os sonhos que eu tinha e esqueci sobre a mesa,
como uma pêra se esquece dormindo numa fruteira,
como adormece o rio, sonhando na carne da pêra,
o sol na sombra se esquece, dormindo numa cadeira.
Alguém sorriu de passagem, numa cidade estrangeira,
lembrou o riso que eu tinha e esqueci entre os dentes,
como uma pêra se esquece sonhando numa fruteira..."

Milton Nascimento e Ronaldo Bastos

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Pássaro Livre

Pássaro Livre

Gaiola aberta
Aberta a janela
O pássaro desperta
A vida é bela
A vida é bela
A vida é boa
Voa, pássaro, voa

Sidónio Muralha

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Papo de bêbado - Parte 2

( ... )

- Você só sabe aquilo que conhece, e isso não é tudo - dizia-lhe o Oráculo.

"Komázein"
- ouviu, sem avistar o interlocutor.

- Que são essas vozes que ouço? Quem são? O que querem? Por que me sinto perturbado com isto? Por vezes algumas me sussurram com os mais aveludados e sinceros timbres, mas também sinto em outras, de forma velada os mais cruéis e venenosos intentos, condensados em palavras. Todas me parecem tão difíceis de se compreender quanto o próprio significado de minha existência. Vamos,
responda-me! Apenas diga qualquer coisa que me livre, ou mesmo amenize minha angústia!

E diante do sofrimento de nosso amigo, o Oráculo, aparentemente ciente do que se passava dentro de sua cabeça, permaneceu imóvel e em silêncio, simplemente lhe observando com um ar solidário.

De súbito, nada mais parecia lhe importar, estava até feliz. Tudo o que queria era estar com seus amigos, dançar, cantar... Foi embora. E saíram a cantar, rir e comemorar sabe-se lá o quê (talvez nem eles soubessem), numa graciosa dança pelas
claras ruas, iluminadas pela luz da lua cheia. Mas nosso amigo, como sempre embriagado, agora tinha seus pensamentos novamente imersos naquele Azul, que lhe trazia paz.

( ... )

Papo de bêbado - Parte 1

(...)

- Por que estou tão feliz? Esses sentimentos que vêm e vão
... E não têm explicação... - Pensava.
E vai o bêbado, errante, pela estranha estrada daquela velha embriaguez espontânea, encantado por aquelas cores, aquele azul acinzentado e suas risonhas aparições... Mas estas estradas não têm sinalização, de forma que não se pode conhecer suas sinuosidades. Chove. Nosso amigo embriagado desejava cada vez mais forte ter aquela companhia. Era apenas vontade de continuar embriagado de vida.
- O que é uma resposta ? - Indagava nosso curioso amigo em sua busca.

(...)

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

13:53

O metrô é uma confusão. Pessoas correndo, pessoas desesperadas para garantir um assento a qualquer custo, pessoas normais, pessoas a passeio, pessoas boas... Mas muitas pessoas, cheias de esperança, vontades, desejos, Sentimentos. O trem ia rumo à zona norte, e acabava de parar na estação Botafogo, quando entrou uma garota ajudando um senhor de bengala que parecia meio desorientado. Ele era muito magro e enrugado, com uma expressão feliz mas sofrida no rosto, de estatura média e cabelos brancos bem curtos. Ela era linda, linda... de cabelos compridos castanhos, com as pontas descoloridas, com um olhar sereno e cativante de duas esmeraldas lapidadas pelo melhor artesão que já existiu. Não era muito alta e vestia um macacão jeans. Estavam conversando e ela tinha dificuldade de ouvir pois estava em pé e ele sentado, então ela precisava ficar se abaixando. Meus ouvidos estavam absorvidos pela música pink floydiana e Grand Funk, e excepcionalmente, estava tocando Because dos Beatles. Tirei um dos fones do ouvido para saber qual seria a próxima estação. Então a garota comentou que estudava e trabalhava com cinema, e o senhor respondeu: "Só fui ao cinema uma vez na vida, em 1971, quando ainda enxergava, há 38 anos atrás para ver o filme do Roberto Carlos: 'Roberto Carlos A 300Km Por Hora'. Foi emocionante, valeu muito a pena. Nunca mais fui. Sabe, é bom saber que há jovens que também querem progredir hoje em dia, ao contrário da maioria. Muito obrigado, viu?". Após alguns instantes de silêncio, o senhor disse: "Você é uma pessoa muito boa". Ela agradeceu, e ficou em silêncio novamente. Em volta, silêncio era tudo que não se ouvia. Paralelamente a toda essa loucura do nosso mundo desumano, percebi uma solitária lágrima que corria, desmanchando por um segundo a serenidade de seu enrubescido rosto, e foi rápidamente apanhada. Ela olhou para mim e sorriu com uma simpatia envolvente. Este momento repetiu-se várias vezes em minha mente, quase como um Déjà vu. Minha viagem havia chegado ao fim.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Fôlego

As ruas hoje estão calmas, e o dia ameno. Quando dei conta de mim, estava pedalando, e uma suave brisa carregava as folhas mortas, e parecia me impelir a pedalar cada vez mais rápido, como se estivesse ansioso para chegar em algum lugar ou achar alguma coisa. E assim o fiz, incontrolávelmente, até chegar numa rua que levava até a lagoa, e nesse breve percurso, vi uma pessoa familiar, também dando suas pedaladas. Mas não fui reconhecido, e de qualquer maneira, não consegui parar. Eu corria como um louco, não sei como minha bicicleta não se havia desmanchado, e finalmente eu cheguei, na beira da lagoa, numa ciclovia, e continuei... sem rumo, mas aproveitando cada momento daquele estranho passeio. O dia estava especialmente bonito, e ao observar a paisagem, meu olhar encontrou um monumento cuja existência era desconhecida por mim: um pequeno morro, coberto por rosas de todas as cores. De longe, já era possível sentir o envolvente perfume, e eu não poderia ir embora sem antes subir lá para apreciar a vista daquele típico dia de outono não brasileiro. Ao chegar lá, larguei a bicicleta num canto e comecei a subir um caminho íngreme até que me deparei com a presença de alguns poucos indivíduos que ali pareciam fazer um piquenique ou coisa parecida e outros que apenas relaxavam. Então, após alguns instantes, o tempo foi piorando, começou a escurecer, e uma fina chuva teve início. Junto com ela, vieram trovões , que pareciam estar caindo a cinquenta metros de distância. Assustado, desci até minha bicicleta, e corri, corri , corri... Corri como pude, sem ter noção de quanto tempo havia se passado.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Azul

O sol estava forte e ao longe, podia-se ver uma nuvem. A princípio, me parecia com a forma do nosso país, flutuando sabe-se lá para onde, com seus contornos não muito bem definidos e borrados. Era lindo de se ver. Após alguns poucos minutos de abstração, procurei novamente aquela imagem pela janela, e percebi que estava mais borrada ainda e desta vez, não consegui assemelhá-la a nenhuma forma familiar. Não passava de uma grande e gentil mancha branca aveludada sobre a imensurável tela azul. Deixei de lado novamente aquela aprazível imagem, para olhar a praia, e quando retomei minha contemplação, notei que aparecia bem ao lado, de maneira sutil e fugaz, a Lua, quase como quem tenta se esconder, camuflando-se na nuvem. E o seu lado escuro, que me confundiu, agora me parece azul, assim como na música...